sexta-feira, 31 de maio de 2013

Poema sem título 02



Imagem: Jean Yves Lemoigne






VIDA é gangorra
mas como sou GORDO




quarta-feira, 29 de maio de 2013

1982, AGOSTO



Imagem da internet




Em agosto de 1982
meu pai morria
na pequena restinga
Em agosto de 1982
o poeta Luiz de Miranda
escrevia “Montevidéu”
em Porto Alegre
Veja
a crueza da poesia
Veja
o lírico da morte
Veja
a tênue linha
navalha afiada finíssima
Sinta
a ardência do polegar
de quem prova o fio de uma carneadeira
Sinta
o veio que brota
que tinge
Sangue
Sinta
o lírico da poesia
Veja
a crueza da morte
o que chamamos vida
é sua lavoura
pronta para a ceifa
O que chamamos vida
é só uma lacuna
um intervalo
um café, talvez
um cigarro
de um vindimadeiro.



domingo, 26 de maio de 2013

O INOCENTE

Imagem da internet






Invadiu o casebre e atirou no homem e na mulher. No menino, que aparentava pouco mais de um ano de idade, não. Tinha lá sua ética. O guri que se virasse. Ou que morresse de fome, de frio ou de sede. Ele não o mataria. Nunca na vida que atirou num inocente.





quinta-feira, 23 de maio de 2013

O UNIFORME

Imagem: arquivo do autor


ERA uma espécie de código. Se, por aqueles dias, me mandassem pôr o uniforme eu deveria saber do esperado inevitável. Acordaram-me cedo. Indicaram-me as roupas: camisa branca, calça de tergal azul-marinho, carpins pretos e as indefectíveis congas. Depois, alguém me deu o café e conduziram-me ao necrotério. Sentei-me, ainda acordando, ao lado da mãe. Não entendia nada. Alguns colegas meus foram me abraçar. Eu era a única criança com o uniforme do grupo escolar. Era período de férias. E eu havia esquecido do código. No centro da sala, o esquife e o pai sendo velado.









segunda-feira, 20 de maio de 2013

Verso avulso 02

Imagem: Lucian Freud


que nome se dá a um arado rasgando a carne?




sexta-feira, 17 de maio de 2013

Poema sem título 01

Imagem: Robert Mapplethorpe







CHUPO
PORQUE SUGAR
É POR DEMAIS ERUDITO
TUAS TETAS
PORQUE SEIOS
É POR DEMAIS RESPEITOSO
NA HORA DE AMAR
O GOSTOSO
É A FALTA DE RESPEITO
ME DÁ CÁ UM PEITO
QUERO MORDER O BICO
MORDISCAR
É POR DEMAIS FRESCO
VÊ COMO CRESCE
O POMPOSO PÊNIS
ESQUECE A ETIQUETA
AGARRA O TICO
ME MOSTRA A BUCETA




Restinga Seca, RS, 9/ 2/ 2004.



quarta-feira, 15 de maio de 2013

ANTROPOFÁGICO

Imagem: Edwin Austin Abbey


Eu estava preso pela pele a um gancho de aço, pendurado num cano de metal que atravessava o ambiente de fora a fora. Eu estava nu e atrás de mim havia outro pendurado e atrás do outro havia mais outro e atrás daquele outro, outro e outro. Meu corpo todo doía. Mexia os olhos e via ao meu redor, o que identifiquei como sendo o interior de uma espécie de caminhão frigorífico. Tomava muito cuidado para não sacudir o corpo que tinha a pele como que se desprendendo da carne, se rasgando lenta e silenciosa. Estava vivo ainda, sentia o curso do sangue nas veias. Quando o caminhão rodava de um lugar a outro e meu corpo balançava, a dor era terrível. E sempre novos corpos eram nele depositados. A cada parada pelo menos um novo corpo era trazido para dentro. Com o passar do tempo minha pele ia ressecando e os membros paralisando. Os novos corpos iam sendo colocados à frente. De vez em quando um deles entrava no frigorífico e tirava uma lasca de carne do corpo que pela ordem sempre era o de trás. Quando este já estava quase só ossos, excetuando-se a parte posterior do pescoço, por onde éramos pendurados, aí então, passavam a descarnar o próximo. Não sei se comiam a carne ou se davam de alimentar a algum bicho. Logo seria minha vez. Já estava bem no fundo do caminhão. De olhos fechados rezava para morrer congelado antes de começar a ser destrinchado.




domingo, 12 de maio de 2013

DIA DAS MÃES

 Imagem: Cândido Portinari



Era um chão de terra batida. O vento enovelava o cisco. Havia um choro comprido: quatro ou cinco pessoas. E um cachorro, a um canto, dormitando. Maria enterrava o filho. Era o segundo domingo de maio.




sexta-feira, 10 de maio de 2013

Verso avulso 01

Imagem: Igor Voloshin



tem um navio atracado em mim...



quarta-feira, 8 de maio de 2013

TORPOR

Imagem: Cândido Portinari

Eu não queria ouvir o que ela tinha para falar. Como num transe, eu apenas via o mexer dos lábios murchos da ve­lha, sua dentadura frouxa, e o bailar de sua língua sabur­rosa. Tudo sem som. Eu não escutava nadica de nada. O buço da velha lhe sombreava o lábio, e se misturava com os pelos que lhe saíam pelas ventas. Vez em quando al­gum perdigoto da bruaca me atingia o rosto. Eu permane­cia imóvel. Eu não queria ouvir nada. Nadica de nada. No pátio um dos piás chutou a pelota, que entrou pela porta da cozinha, bateu no pé do fogão a lenha, depois no pé da mesa, espantou o gato que passava preguiçoso, veio gi­rando, girando, girando, até que esbarrou em mim, me ti­rando do torpor. Lá fora começava um chuvisqueiro finís­simo, parecido com neve. E eu que não queria ouvir o que ela tinha para falar escutei a última frase do falatório da velha espanhola: O velho está morto.




segunda-feira, 6 de maio de 2013

UM ARADO RASGANDO A CARNE

Imagem: Sebastião Salgado


às vezes acho que nem mesmo eu tenho a noção exata do que me causa essa dor e temo o que ainda possa causar essa dor que se fosse noutro seria como um dom e que em mim me cai às costas com o peso de um castigo às vezes tenho medo do rumo que essa dor possa tomar e noutras vezes tenho a nítida sensação de que ela já é nau à deriva o mar aos grandes pertence quintal de tubarões jardim de piranhas o mundo é dos ordinários na mais pura acepção da palavra essa dor que me causa cortes que me lavra a carne sem nenhum pudor nem assepsia essa dor que me separa dos demais – nem pior nem melhor – o diferente o que sofre de solidão da solidão de quem é habitado por muitos tem noites que perco o sono e só me encontro se me debruço sobre minha própria dor e os que vivem em mim raramente sorriem às vezes sinto que minha alma chora como madeira verde no fogo fogo-fátuo-eterno quem tiver cabeça que ostente reinado vejo diariamente nas ruas nos estabelecimentos nas casas reis e rainhas com reizinhos na barriga eu quando saio sou o sem saltos o de pés rachados o enxovalhado ainda ontem vi um fidalgo que catava porcarias no chão fui também por ele hostilizado e serei novamente e novamente por quantos mais o meu deus que é o meu destino assim o quiser eu que por mais que treine e saiba de cor as melhores jogadas nunca saio do banco de reservas fantoche ignaro num palquinho pobre que no teatro de DEUS nunca saio do ensaio às vezes sinto o ar rarefeito tenho a garganta sufocada por palavras e palavras e palavras e palavras e palavras que da minha boca como que costurada não saem não caem como o cuspe cai como os dentes podres caem eu que sinto dores viscerais um caroço que cresce em mim uma planta que cresce dentro de mim e que fraco cambaleio pela noite é de dor que tranço as pernas e é de bêbado que sou chamado e onde estás Senhor das terras e dos mares que não me dá de agarrar a tua mão e por que plantaste em mim tal semente que não se cala? não sei nominar o que sinto que nome se dá a um arado rasgando a carne?




sábado, 4 de maio de 2013