quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

SOBRE O BUGRE DA CHOUPANA


Imagem da internet



Vivia só. Acostumara-se à quietude e à solidão do campo. Plantava, pescava e caçava pra comer. Galinhas no terreiro, uma vaca leiteira, um pingo sogueiro e um cusco fiel. Amigos não tinha. Era de pouca conversa. Conhecidos? Bem, todos o conheciam e ele, de vista, a todos. Sua história se confunde com a história do povoado. Dizem que quando iniciou-se a vila, com a chegada dos Valna, já existia a choupana no alto da canhada, chaminé fumegando. Uma vez por mês descia à vila, montado no matungo de passo lento. Sonolento. Mala-de-garupa. Não comprava muito: fumo em corda, querosene, cachaça, vinho e algumas outras poucas coisas de que não dispunha, por não produzir ele próprio no sítio. Falam, em cochichos, que de certa feita, matou um. Mulheres até então não conhecia. Só as via de longe, quando na vila. Raparigas de cabelos lisos e longos, busto grande, debruçadas nas janelas, as luzes avermelhadas lá dentro Naquele fim-de-tarde-quase-noite, início de junho, fez diferente: abriu uma das cinco de canha que levava pro mês, e ali mesmo, no meio do povo, começou a beber. Andando no meio das gentes, bichos estranhos, pelo canto do olho via os dedos apontados, os risos de canto de boca (escárnio) e o menear de cabeças ao vê-lo passar. Curiosidade tinha, mas decerto, foi mais pela bebida que borbulhava em redemoinho na cabeça bronca, do que por especulação, que sem querer, sem notar, sem se dar por conta, entrou... Contam que as putas sequiosas por desvendá-lo, entre risinhos e puxões, o cercaram com dengos, achegos e chamegos. As luzes avermelhadas lá dentro. A fumaça dos cigarros suspensa qual rabos-de-galos num céu preparado pra chuva. O cheiro do chinedo e o cheiro de trago dos machos que o olhavam de atravessado, como que não acreditando no que viam. Seria mesmo ele ali? O bugre da choupana? Sem saber ao certo o que fazer, o bugre foi se deixando enrolar por Analice – puta velha e cancheira –, de olhos pequenos como que apertados, de cabelo negro e graúdos cachos, tetas grandes, gordacha e de cara lustrosa, que o arrastou pro quarto puxando-lhe as barbas, e fazendo biquinho como quem chama cavalo novo pela rédea. Dizem que o bugre só saiu dos aposentos da china dois dias depois, passos falhos, pernas bambas. Analice o acompanhou até a porta, e apesar da aragem das manhãs de junho, de leque em punho, afogueada. Obrigou-se a folgar por uma semana – a coitada – por conta das assaduras. A zona nunca mais foi a mesma. O chinaredo, depois da propaganda feita pela colega, espera pelo bugre todas as noites. Até senha foi distribuída entre as moças pra melhor organizar o rodízio. O bugre nunca mais desceu à vila – nem pra comprar cana, nem fumo, nem querosene… No alto da canhada a chaminé continua fumegando…



quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DOC

Imagem: Barnaby Whitfield



A vida aqui é foda, disse a dona do bordel ao documentarista.



sábado, 15 de novembro de 2014

GUALBERTO


Imagem: Robert Mapplethorpe

Ele, ali, de calção e camiseta, ajoelhado, na frente do negrão. O negrão, que nu, exibia o membro colossal, duro. Assim, desse tamanho, e preto, Gualberto só tinha visto nos cavalos, lá na fazenda. Os reprodutores, os cavalos inteiros. Ele achava que o cajado do negrão estava duro. Não estava do jeito que fica o seu quando duro. Também nem poderia ficar, ele supunha. Era muito grande. Totalmente ereto não ficaria nunca. Ele, ali, a menos de um palmo daquela piroca maravilhosa do negrão. Olhava e virava os olhos. Poderia tocar. Lamber até... Mas não queria tocar. Queria só ficar ali, olhando. Imaginando a pele fininha e lisa do pau do negrão. Aquele cacete de veias saltadas... O negrão parecia uma estátua. Uma estátua de um deus, ali, na sua frente, com as mãos para trás, e com aquele mastro balançando... O bastão do negrão balançava levemente conforme o pulsar do sangue nas veias grossas. Num meneio de cabeça, com os olhos voltados para o tico do deus, ele pergunta: quanto? O negrão responde: trinta e três centímetros e meio. Fez questão de dizer e meio. Pra que isso?, Gualberto pensou. Pra que essa mesquinharia? Que deixasse essas questões pequenas pra quem precisa das pequenezas. Por exemplo: um cara baixinho precisa dizer que tem um metro e sessenta e dois centímetros e meio. Porque o e meio faz diferença. Um cara gordo faz questão de dizer que emagreceu cinco quilos e meio. Porque o e meio faz diferença. Mas para o negrão, não. Não faz diferença nenhuma esse e meio. Trinta e três centímetros e meio. Pra que isso? O negrão fazia de propósito. Sabia que era gostoso e fazia questão de esfregar na cara dele aquele pau grosso (ah, sim, ainda por cima era grosso) com seus trinta e três centímetros e meio. Ao ouvir “trinta e três centímetros e meio” Gualberto sentiu um pulsar forte e curto. Quase um piscar de olho. Um piscar involuntário. Só que não de olho, se me entende. Gualberto não iria tocar naquele mastro rijo. Só ficaria olhando. Olhando bem de pertinho. Ficaria sentindo o cheiro da pele do negrão. Foi para isso que o negrão veio. Para isso. Gualberto ficava imaginando como seria uma mulher levar uma vara daquelas... Deveria ser como as éguas, lá na fazenda. As éguas aguentavam os cavalos, lá na fazenda. Uma mulher não aguentaria tudo aquilo. Metade, talvez. Gualberto ficava imaginando uma mulher sentando naquele colosso do negrão. O leitinho escorrendo da buceta. O contraste da gota espessa e branca escorrendo naquele caralho preto. A gota se transformando em veio. Um veio quente descendo pelo músculo do negrão. Até a base. Lambuzando as bolas... Da próxima vez pediria para o negrão trazer uma mulher com ele. Sim, haveria uma próxima vez. Sim, o negrão voltaria. Uma mulher bem bucetuda. Da próxima vez gostaria de ver o negrão fodendo uma mulher. Uma bem bucetuda. Uma que aguentasse aquela tora. Pelo menos que aguentasse a metade. E que gozasse naquela piça enorme. Da próxima vez faria isso: pediria para o deus negro trazer uma mulher – uma cavala. Bem bucetuda. Hoje, não. Hoje só iria olhar para aquele pau. Por um instante Gualberto pensou no escritório. O que os colegas de trabalho falariam dele se lhe soubessem ali, daquele jeito. Se lhe soubessem adorador de um deus pagão. Pauzão! Que se danem! Aqueles babacas do escritório. Aquela bosta de escritório. Gualberto estava em casa, e poderia fazer o que bem quisesse. Por isso mesmo não faria nada. Nada além de olhar e adorar. E ele a-do-ra-va. Gualberto estava adorando aquilo. Pensou no pai. O velho sentado no cepo, tomando chimarrão. O velho na fazenda. O velho de bombachas e alpargatas. Pensou na mãe. A velha mexendo os panelões. A velha cozinhando, lá na fazenda. O buço da velha, sempre suado. O velho mateando, o olhar parado na linha do horizonte, o mate esfriando na cuia esquecida na mão. Sempre se lembrava do pai assim, sentado em cepos e mateando. Será que vem daí? O pai sentado em cepos e ele gostando de paus? Freud explica... O pensamento nos velhos se foi num vu. Assim como veio, foi. Gualberto estava em silêncio. Não falaram quase nada, o negrão e ele. Gualberto deu as ordens quando o negrão chegou: tira a roupa e fica aí. Quero olhar. Só olhar. Eu pago bem. Depois, passado algum tempo, perguntou: quanto? E o negrão falou: trinta e três centímetros e meio. Essa foi toda a fala do negrão: trinta e três centímetros e meio. O negrão tinha voz forte, bonita, máscula. Se aquele negrão tivesse voz fina, Gualberto cairia na gargalhada. Um baita dum crioulo com um cacete enorme e com voz fina seria muito engraçado. Gualberto não sabia nem o nome do negrão. Nem queria saber. Do deus negro ele sabia o principal: o pau. Gualberto não sabia o nome do negrão. Gualberto sabia o bilôro do negrão. Pronto. O bijôjo do negrão. Pronto. Em que será que pensava o negrão para manter a espada assim, pronta para o ataque? Não interessa. O que importa é que a espada está desembainhada e erguida. Por quanto tempo estariam ali? O negrão continuava firme. Duro e gostoso. Certa vez Gualberto comprou um consolo de silicone. Preto. Não era nem a metade do bilau do negrão. Bem menos da metade. O brinquedo chegou pelo correio, numa caixinha discreta. Nunca usou o vibrador. Só ficava olhando. Colocava sobre uma cadeira de madeira e ficava olhando. O pinto de silicone tinha uma espécie de ventosa que o deixava grudado em superfícies lisas. Gualberto o punha na cadeira, e ficava olhando. Um dia deu vontade de chamar alguém. Um pau de verdade. Bem, e ali estava Gualberto, de calção e camiseta, ajoelhado, na frente do negrão. Esse guri é estranho, diziam as tias velhas. Sempre calado. Sempre sozinho. Sempre trancado no quartinho dos fundos. O que ele tanto faz lá? Foi lá, no quartinho dos fundos, que descobriu o cu. O próprio cu. Descobriu o cu, ali, acocorado sobre o pequeno espelho, no quartinho dos fundos. Uns descobrem o umbigo e ficam deslumbrados. Ele não: descobriu o cu. Ali, no quartinho dos fundos. Descobriu o cu. E deu-se a descobrir pelos outros guris... Antes que o negrão chegasse, Gualberto deu uma ajeitada na sala: recolheu as revistas que estavam espalhadas no sofá, e fechou as cortinas. Estava quente, e o ventilador de teto jogava uma leve brisa no ambiente que cheirava, levemente, a pó. Quando era guri, lá na fazenda, Gualberto se excitava com as cadelas. Roçava nas cadelas e se excitava. Mas ele não sabia que se excitava. Bem depois é que soube que era excitação o que sentia com as cadelas. Já um pouco maiorzinho, se excitava com os cachorros. Roçava nos cachorros e se excitava. Excitava-se com a excitação dos cachorros. A excitação dos machos o excitava. Quando se excitava com os cachorros já sabia que a excitação que sentia era excitação. Depois, bem depois, começou a reparar nos cavalos... Nos cavalos inteiros... Agora Gualberto pensa que talvez devesse ter borrifado um aromatizador no ambiente. Está quente demais, e o negrão sua. Dá pra ver o brotar de pequenas gotas na testa, no lábio superior e no peito do crioulo. Gualberto também sua. Sente o rego molhado. Os testículos também estão suados. E a cabeça do pau começa a liberar um caldinho viscoso que lhe faz grudar a pequena glande na cueca. Pensando bem, está melhor assim – sem aromatizador no ambiente. Assim, sem aromatizador no ambiente, Gualberto pode sentir o cheiro da pele do negrão. O negrão, que nu, exibe o membro colossal, duro. Assim, desse tamanho, e preto, Gualberto só tinha visto nos cavalos, lá na fazenda. Nos reprodutores, nos cavalos inteiros. Foi para olhar que Gualberto chamou o negrão. Leu o anúncio e ligou. Quando o negrão chegou, Gualberto disse: tira a roupa e fica aí. Quero olhar. Só olhar. Eu pago bem. Foi para olhar que Gualberto chamou o negrão. Eu pago bem. Que mal tem?



Santa Cruz do Sul, 2010 – Belo Horizonte, 2014.





quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O CHEIRO DOS CUSCOS NAS BOMBACHAS



Imagem: Cândido Portinari



Enquanto todos brincavam de campinhos, e de ser Batista, Zico, Sócrates, Cerezo, De León ou Falcão, eu preferia ficar com a cuscada. Eu queria ser ninguém. Me perder entre os guaipecas vadios e pronto. E só. 


Eu abraçava os cuscos e sentia o coraçãozinho lá deles batendo junto ao meu. 

Depois os gritos cessavam. Paravam os chutes. O futebol acabava. Os guris iam embora, cada um para sua casa, levando lembranças de dribles, defesas e gols lá deles... E os vira-latas também se iam, seguiam seu rumo. 


Eu, a caminho do rancho, levava nada. Só o cheiro dos cuscos nas bombachas.





quinta-feira, 3 de outubro de 2013

CATARRO




Imagem: Barnaby Whitfield




TENHO PÉS SUJOS
PRA TUA IMACULADA MORADA
PALAVRÕES
PRA TUA ILIBADA REPUTAÇÃO
CATARRO
PRA TUA SALIVA
PROS TEUS AMORES-IMPERFEITOS
MINHAS SEMPRE-VIVAS





quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Poema sem título 09




Imagem: Jacek Malczewski


AVES
E
PADRES
RAINHAS
NOSSAS
É
NOSSO
ESTE
VALE
DE
LÁGRIMAS
onde cordeiros bebem
E
DE
ONDE
ECOAM
UNÍSSONAS
NOSSAS
VOZES
NUM
COMBOIO
DE
PRECES...





quinta-feira, 26 de setembro de 2013

ALUNO




Imagem: Alberto Vargas



passo os olhos
em tua geografia
ouço
atento
tua história
com minhas mãos te percorro
anatomia
ensina-me matemática
somos 1 e 1
e as frações
dois meios
num abraço
somos um inteiro
devoto
aprendo
os pecados que me mostra
– anjo pornográfico –
religião



domingo, 15 de setembro de 2013

Poema sem título 08



Imagem da internet




ESCREVI
com caco de tijolo
teu nome
no
céu
depois que as crianças
cansadas de pular
esqueceram na calçada
os traços da amarelinha





quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A SUPREMA VIRTUDE DA ESPERA




Imagem: Albert Birkle





DESCULPE-ME
OH VERDUGO
SE NO AÇOITE
CONTRAÍ OS MÚSCULOS
É QUE NO MOMENTO DOCE
EM QUE CHICOTEAVA-ME
DE GOZO ESTREMECI
E NÃO PUDE DEMORAR-ME
SABOREANDO OS ESTALIDOS
DE VOSSA AMÁVEL SOITEIRA
PEÇO-LHE QUE RECOMECE
SEM PRESSA
POIS PENSO
QUE UM MAIOR INTERVALO
ENTRE UM E OUTRO FUSTIGAR
SÓ ME FARÁ BEM
ME ENSINARÁ
A SUPREMA VIRTUDE
DA ESPERA




quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O DESNASCER DO NADA



Ilustração: Cláudio B. Carlos


nadar
eu nado
no nada
que tenta me afogar
um dia quem sabe
cansado de tantas braçadas
metafísica
serei
o nada
submerso
no nada
como me saber se é tudo um grande nada?
impossível será a heterogeneidade
desnascerei
conformemente nasci
um corpo em total inércia
após um passo e um retrocesso
nulo
coisa nenhuma
burro
mulo






sábado, 7 de setembro de 2013

FRAGMENTOS DE UM POEMA TRISTE




Ilustração: Ubiratan Carlos Gomes



Pra sorrir
faltavam dentes

Pra chorar
sobravam lágrimas

Sentado no chão
com a cabeça enfiada entre as pernas...




quinta-feira, 5 de setembro de 2013

SOBRE A IMPORTÂNCIA DE SER




Imagem: Léon Spilliaert



— Antônio é um bosta.
— Sim, mas ele é.





sábado, 31 de agosto de 2013

Autorretrato II





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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Autorretrato







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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

BOSTA FRESCA




Fotografia de Cláudio B. Carlos



O bafo morno
Da bosta fresca
O capim crescendo
Calmo
E
Úmido
Do suor da manhã
Que nasce fadada
Coitada
Boi
Pasto
Bosta
Rasto
Trajeto
Dejeto
Resto
Vida
Canga pesada
Cabresto

Penso
Se pensasse
Desistia...




domingo, 25 de agosto de 2013

BOSTA




Ilustração: Mário Gruber


AS PALAVRAS SE CONTRAPÕEM SOBRE A MESA
o diálogo corre solto
ALGUÉM AOS PRANTOS
corre pro quarto
TILINTAR DE ADJETIVOS NO PRATO DE SOPA
prato cheio
PRA QUEM GOSTA
PENA QUE NÃO FOTOGRAFAMOS
a bosta

do almoço em família





quarta-feira, 21 de agosto de 2013

MERDA



Fotografia de Cláudio B. Carlos



HÁ QUE SE PÔR
UM POUCO DE SAL
G R O S S O
PRECISAMOS IR AO FUNDO
PRA SAIRMOS DO POÇO
SOMOS TÃO INSIGNIFICANTES
DIANTE DE TUA PORTA
SOMOS TÃO NADA
DIANTE DA VIDA
DA MORTE
HÁ QUE SE PÔR
NA BOCA
UMA PITADA
DE UM SABOR QUALQUER
UM SORRISO
AINDA QUE MORNO
NOS LÁBIOS CRISPADOS
CANSADOS
AH! COMO ESTOU CANSADO
QUE QUEIMEM AS VELAS
QUE SE ACENDAM OS
INCENSOS
QUALQUER COISA
QUE ME TIRE ESTE PESO
QUE TRAGO
QUE LEVO
QUE HERDO
(QUE MERDA!)
QUE CARREGO
SEI LÁ
QUALQUER COISA
QUE ME TIRE ESTE
P E S O



domingo, 18 de agosto de 2013

Experimento 01






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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

DEUS (A CHEGADA DE PABLO SOLEDAD AO CÉU)



Imagem: Pieter Huys 



— Bom dia.
— Bom dia.
— Quero falar com o dono da casa.
— ELE está ocupado no momento. Quer deixar algum recado?
— Pergunte-lhe onde estava no dia 16 de agosto de 1982.
— Pois não. Qual o seu nome?
— Meu nome é... Ora, ELE sabe. Ou não?



terça-feira, 13 de agosto de 2013

Poema sem título 07






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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A NOSSA SENHORA




Imagem: Pieter Huys


          Às vezes, aos fins de tarde (não recordo com que frequência), uma vizinha velha nos trazia a Nossa Senhora. A santa pousava em nossa casa. A mãe rezava, e no dia seguinte eu a entregava na casa de outro vizinho, fazendo seguir a romaria de visitas (não sem antes beijar o vidro que protegia a imagem). A mãe beijava, os vizinhos ao entregar a santa beijavam, beijavam ao receber a santa... Eu achava aquilo meio nojento. Era como tomar mate com estranhos: anti-higiênico.






quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Poema sem título 06







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domingo, 4 de agosto de 2013

MADRUGADA 3




Imagem: David Teniers 




(um) — Não nascemos pra isso.

(o outro) — Nascemos um pro outro.




quinta-feira, 1 de agosto de 2013

MADRUGADA 2




Imagem: David Teniers 



(um) — Eu tentei me matar por duas vezes e sobrevivi em uma.

(o outro) — Pois eu tentei sobreviver por seis vezes e morri em todas.




terça-feira, 30 de julho de 2013

MADRUGADA



Imagem: David Teniers 



(um) — Tu sabes que tu não sabes o quanto eu gosto de ti?

(o outro) — Sei. Claro que eu não sei. As pessoas nunca sabem o quanto são gostadas.



domingo, 28 de julho de 2013

POÇOS E NUVENS 2




Fotografia de Cláudio B. Carlos



Quisera ter
a profundidade de um poço
mas não posso
com a leveza de uma nuvem
eu sofro
tu sopro




sexta-feira, 26 de julho de 2013

POÇOS E NUVENS




Fotografia de Cláudio B. Carlos





Existem
os poços
e existem
as nuvens
Os poços
que na água
refletem
as nuvens
As nuvens
que não refletem
Almas rasas
as nuvens
apenas passam

Os poços soturnos
apesar de
p
r
o
f
u
n
d
o
s
vivem a vida de balde embalde
na ânsia de saciar
Não há mal que sempre dure
nem poço que nunca
estanque
nem nuvem que não passe
nenhuma que não chore...



quarta-feira, 24 de julho de 2013

PEDRA DA REALIDADE 2




Imagem da internet



Vieram uns homens esquisitos
doutos senhores
de lugar longínquo
estudar o que sucedia
souberam dos nativos
que extraem
leite de PEDRAS
ora!
onde está o fenômeno?
aqui
chamamos isto
de REALIDADE...



domingo, 21 de julho de 2013

PEDRA DA REALIDADE



Imagem: Polly Morgan



PARA SONHOS DE PAPEL
O PESO
DA PEDRA DA REALIDADE




quinta-feira, 18 de julho de 2013

Poema sem título 05

Imagem: Édouard-Henri Avril



Comigo não tem meio-termo
e no amor
é bom mesmo não tê-lo:
Lábio é beiço
e
grelo é grelo




terça-feira, 16 de julho de 2013

Poema sem título 04




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sábado, 13 de julho de 2013

MÃEZINHA

Imagem: Mary Stevenson Cassatt



Mãezinha nunca me amou. Cresci, e meus punhos como que se transformaram em aço: mãezinha se quebrou…


(da série: breves retratos de família)



quarta-feira, 10 de julho de 2013

IRMÃZINHA

Imagem: Paul Laurenzi


Irmãzinha sempre foi estranha. Da fauna, o bicho diferente. Dentre cobras e lagartos, prefere a aranha.




(da série: breves retratos de família)



domingo, 7 de julho de 2013

IRMÃOZINHO

Imagem: Robert Mapplethorpe




Irmãozinho era quietinho. Brincava com bonecas, sozinho. De tanto brincar com elas, hoje ele é uma.




(da série: breves retratos de família)



quinta-feira, 4 de julho de 2013

PAIZINHO

Imagem: Albert Birkle



Paizinho era perfeito. Cresci, e meus olhos como que se transformaram em lupas: quantos defeitos…


(da série: breves retratos de família)



domingo, 30 de junho de 2013

O CANDIDATO

Imagem: David Anthony Hummer


Esteve aqui, antes da eleição. Tomou café no vidrinho, comeu torta no potinho, brincou com o cusco magrinho – ainda vivo. Fumou palheiro sentado no cepo, disse que voltaria…



quinta-feira, 27 de junho de 2013

SOBRE UMA VELHA ESPANHOLA

Imagem: Georgia O’keeffe


A PAIXÃO é uma velha espanhola
com verve flamenca
que de bailar ao som de castanholas
tem o buço suado
POR SER PAIXÃO tem arroubos de suicídio
de maldizer a vida
quebrar copos
pratos
e
amassar panelas
POR SER VELHA tem braços abertos de abuela
argolas douradas
pendendo das orelhas
e
tinta disfarçando o branco da longa trança
E POR SER PAIXÃO tudo é passageiro em sua alma
tristeza assim como vem vai
e
alegria como vai vem
incendiando-lhe a casa
as gentes
e
o sorriso: lábios rebocados de carmim
ouve
de novo as castanholas…