Imagem da internet |
Vivia
só. Acostumara-se à quietude e à solidão do campo. Plantava,
pescava e caçava pra comer. Galinhas no terreiro, uma vaca leiteira,
um pingo sogueiro e um cusco fiel. Amigos não tinha. Era de pouca
conversa. Conhecidos? Bem, todos o conheciam e ele, de vista, a
todos. Sua história se confunde com a história do povoado. Dizem
que quando iniciou-se a vila, com a chegada dos Valna, já existia a
choupana no alto da canhada, chaminé fumegando. Uma vez por mês
descia à vila, montado no matungo de passo lento. Sonolento.
Mala-de-garupa. Não comprava muito: fumo em corda, querosene,
cachaça, vinho e algumas outras poucas coisas de que não dispunha,
por não produzir ele próprio no sítio. Falam, em cochichos, que de
certa feita, matou um. Mulheres até então não conhecia. Só as via
de longe, quando na vila. Raparigas de cabelos lisos e longos, busto
grande, debruçadas nas janelas, as luzes avermelhadas lá dentro…
Naquele fim-de-tarde-quase-noite, início de junho, fez diferente:
abriu uma das cinco de canha que levava pro mês, e ali mesmo, no
meio do povo, começou a beber. Andando no meio das gentes, bichos
estranhos, pelo canto do olho via os dedos apontados, os risos de
canto de boca (escárnio) e o menear de cabeças ao vê-lo passar.
Curiosidade tinha, mas decerto, foi mais pela bebida que borbulhava
em redemoinho na cabeça bronca, do que por especulação, que sem
querer, sem notar, sem se dar por conta, entrou... Contam que as
putas sequiosas por desvendá-lo, entre risinhos e puxões, o
cercaram com dengos, achegos e chamegos. As luzes avermelhadas lá
dentro. A fumaça dos cigarros suspensa qual rabos-de-galos num céu
preparado pra chuva. O cheiro do chinedo e o cheiro de trago dos
machos que o olhavam de atravessado, como que não acreditando no que
viam. Seria mesmo ele ali? O bugre da choupana? Sem saber ao certo o
que fazer, o bugre foi se deixando enrolar por Analice – puta velha
e cancheira –, de olhos pequenos como que apertados, de cabelo
negro e graúdos cachos, tetas grandes, gordacha e de cara lustrosa,
que o arrastou pro quarto puxando-lhe as barbas, e fazendo biquinho
como quem chama cavalo novo pela rédea. Dizem que o bugre só saiu
dos aposentos da china dois dias depois, passos falhos, pernas
bambas. Analice o acompanhou até a porta, e apesar da aragem das
manhãs de junho, de leque em punho, afogueada. Obrigou-se a folgar
por uma semana – a coitada – por conta das assaduras. A zona
nunca mais foi a mesma. O chinaredo, depois da propaganda feita pela
colega, espera pelo bugre todas as noites. Até senha foi distribuída
entre as moças pra melhor organizar o rodízio. O bugre nunca mais
desceu à vila – nem pra comprar cana, nem fumo, nem querosene…
No alto da canhada a chaminé continua fumegando…