Imagem: Robert Mapplethorpe |
Ele, ali,
de calção e camiseta, ajoelhado, na frente do negrão. O negrão, que nu, exibia
o membro colossal, duro. Assim, desse tamanho, e preto, Gualberto só tinha
visto nos cavalos, lá na fazenda. Os reprodutores, os cavalos inteiros.
Ele achava que o cajado do negrão estava duro. Não estava do jeito que fica o
seu quando duro. Também nem poderia ficar, ele supunha. Era muito grande.
Totalmente ereto não ficaria nunca. Ele, ali, a menos de um palmo daquela
piroca maravilhosa do negrão. Olhava e virava os olhos. Poderia tocar. Lamber
até... Mas não queria tocar. Queria só ficar ali, olhando. Imaginando a pele
fininha e lisa do pau do negrão. Aquele cacete de veias saltadas... O negrão
parecia uma estátua. Uma estátua de um deus, ali, na sua frente, com as mãos
para trás, e com aquele mastro balançando... O bastão do negrão balançava
levemente conforme o pulsar do sangue nas veias grossas. Num meneio de cabeça,
com os olhos voltados para o tico do deus, ele pergunta: quanto? O negrão
responde: trinta e três centímetros e meio. Fez questão de dizer e meio.
Pra que isso?, Gualberto pensou. Pra que essa mesquinharia? Que deixasse essas
questões pequenas pra quem precisa das pequenezas. Por exemplo: um cara
baixinho precisa dizer que tem um metro e sessenta e dois centímetros e meio.
Porque o e meio faz diferença. Um cara gordo faz questão de dizer que
emagreceu cinco quilos e meio. Porque o e meio faz diferença. Mas para o
negrão, não. Não faz diferença nenhuma esse e meio. Trinta e três
centímetros e meio. Pra que isso? O negrão fazia de propósito. Sabia que
era gostoso e fazia questão de esfregar na cara dele aquele pau grosso (ah,
sim, ainda por cima era grosso) com seus trinta e três centímetros e meio.
Ao ouvir “trinta e três centímetros e meio” Gualberto sentiu um pulsar
forte e curto. Quase um piscar de olho. Um piscar involuntário. Só que não de
olho, se me entende. Gualberto não iria tocar naquele mastro rijo. Só ficaria
olhando. Olhando bem de pertinho. Ficaria sentindo o cheiro da pele do negrão.
Foi para isso que o negrão veio. Para isso. Gualberto ficava imaginando como
seria uma mulher levar uma vara daquelas... Deveria ser como as éguas, lá na
fazenda. As éguas aguentavam os cavalos, lá na fazenda. Uma mulher não aguentaria
tudo aquilo. Metade, talvez. Gualberto ficava imaginando uma mulher sentando
naquele colosso do negrão. O leitinho escorrendo da buceta. O contraste
da gota espessa e branca escorrendo naquele caralho preto. A gota se
transformando em veio. Um veio quente descendo pelo músculo do negrão. Até a
base. Lambuzando as bolas... Da próxima vez pediria para o negrão trazer uma
mulher com ele. Sim, haveria uma próxima vez. Sim, o negrão voltaria. Uma
mulher bem bucetuda. Da próxima vez gostaria de ver o negrão fodendo uma
mulher. Uma bem bucetuda. Uma que aguentasse aquela tora. Pelo menos que aguentasse
a metade. E que gozasse naquela piça enorme. Da próxima vez faria isso: pediria
para o deus negro trazer uma mulher – uma cavala. Bem bucetuda. Hoje, não. Hoje
só iria olhar para aquele pau. Por um instante Gualberto pensou no escritório.
O que os colegas de trabalho falariam dele se lhe soubessem ali, daquele jeito.
Se lhe soubessem adorador de um deus pagão. Pauzão! Que se danem! Aqueles
babacas do escritório. Aquela bosta de escritório. Gualberto estava em casa, e
poderia fazer o que bem quisesse. Por isso mesmo não faria nada. Nada além de
olhar e adorar. E ele a-do-ra-va. Gualberto estava adorando aquilo. Pensou no
pai. O velho sentado no cepo, tomando chimarrão. O velho na fazenda. O velho de
bombachas e alpargatas. Pensou na mãe. A velha mexendo os panelões. A velha
cozinhando, lá na fazenda. O buço da velha, sempre suado. O velho mateando, o
olhar parado na linha do horizonte, o mate esfriando na cuia esquecida na mão.
Sempre se lembrava do pai assim, sentado em cepos e mateando. Será que vem daí?
O pai sentado em cepos e ele gostando de paus? Freud explica... O pensamento
nos velhos se foi num vu. Assim como veio, foi. Gualberto estava em silêncio.
Não falaram quase nada, o negrão e ele. Gualberto deu as ordens quando o negrão
chegou: tira a roupa e fica aí. Quero olhar. Só olhar. Eu pago bem. Depois,
passado algum tempo, perguntou: quanto? E o negrão falou: trinta e três
centímetros e meio. Essa foi toda a fala do negrão: trinta e três
centímetros e meio. O negrão tinha voz forte, bonita, máscula. Se aquele negrão
tivesse voz fina, Gualberto cairia na gargalhada. Um baita dum crioulo com um
cacete enorme e com voz fina seria muito engraçado. Gualberto não sabia nem o
nome do negrão. Nem queria saber. Do deus negro ele sabia o principal: o pau.
Gualberto não sabia o nome do negrão. Gualberto sabia o bilôro do negrão.
Pronto. O bijôjo do negrão. Pronto. Em que será que pensava o negrão para
manter a espada assim, pronta para o ataque? Não interessa. O que importa é que
a espada está desembainhada e erguida. Por quanto tempo estariam ali? O negrão
continuava firme. Duro e gostoso. Certa vez Gualberto comprou um consolo de
silicone. Preto. Não era nem a metade do bilau do negrão. Bem menos da metade.
O brinquedo chegou pelo correio, numa caixinha discreta. Nunca usou o vibrador. Só ficava olhando. Colocava sobre
uma cadeira de madeira e ficava olhando. O pinto de silicone tinha uma espécie
de ventosa que o deixava grudado em superfícies lisas. Gualberto o punha na
cadeira, e ficava olhando. Um dia deu vontade de chamar alguém. Um pau de
verdade. Bem, e ali estava Gualberto, de calção e camiseta, ajoelhado, na
frente do negrão. Esse guri é estranho, diziam as tias velhas. Sempre calado. Sempre
sozinho. Sempre trancado no quartinho dos fundos. O que ele tanto faz lá? Foi
lá, no quartinho dos fundos, que descobriu o cu. O próprio cu. Descobriu o cu,
ali, acocorado sobre o pequeno espelho, no quartinho dos fundos. Uns descobrem
o umbigo e ficam deslumbrados. Ele não: descobriu o cu. Ali, no quartinho dos
fundos. Descobriu o cu. E deu-se a descobrir pelos outros guris... Antes que o
negrão chegasse, Gualberto deu uma ajeitada na sala: recolheu as revistas que
estavam espalhadas no sofá, e fechou as cortinas. Estava quente, e o ventilador
de teto jogava uma leve brisa no ambiente que cheirava, levemente, a pó. Quando
era guri, lá na fazenda, Gualberto se excitava com as cadelas. Roçava nas
cadelas e se excitava. Mas ele não sabia que se excitava. Bem depois é que
soube que era excitação o que sentia com as cadelas. Já um pouco maiorzinho, se
excitava com os cachorros. Roçava nos cachorros e se excitava. Excitava-se com
a excitação dos cachorros. A excitação dos machos o excitava. Quando se
excitava com os cachorros já sabia que a excitação que sentia era excitação.
Depois, bem depois, começou a reparar nos cavalos... Nos cavalos inteiros...
Agora Gualberto pensa que talvez devesse ter borrifado um aromatizador no
ambiente. Está quente demais, e o negrão sua. Dá pra ver o brotar de pequenas
gotas na testa, no lábio superior e no peito do crioulo. Gualberto também sua.
Sente o rego molhado. Os testículos também estão suados. E a cabeça do pau
começa a liberar um caldinho viscoso que lhe faz grudar a pequena glande na
cueca. Pensando bem, está melhor assim – sem aromatizador no ambiente. Assim,
sem aromatizador no ambiente, Gualberto pode sentir o cheiro da pele do negrão.
O negrão, que nu, exibe o membro colossal, duro. Assim, desse tamanho, e preto,
Gualberto só tinha visto nos cavalos, lá na fazenda. Nos reprodutores, nos
cavalos inteiros. Foi para olhar que Gualberto chamou o negrão. Leu o
anúncio e ligou. Quando o negrão chegou, Gualberto disse: tira a roupa e fica
aí. Quero olhar. Só olhar. Eu pago bem. Foi para olhar que Gualberto chamou o
negrão. Eu pago bem. Que mal tem?
Santa Cruz do Sul, 2010 – Belo Horizonte, 2014.