sábado, 15 de novembro de 2014

GUALBERTO


Imagem: Robert Mapplethorpe

Ele, ali, de calção e camiseta, ajoelhado, na frente do negrão. O negrão, que nu, exibia o membro colossal, duro. Assim, desse tamanho, e preto, Gualberto só tinha visto nos cavalos, lá na fazenda. Os reprodutores, os cavalos inteiros. Ele achava que o cajado do negrão estava duro. Não estava do jeito que fica o seu quando duro. Também nem poderia ficar, ele supunha. Era muito grande. Totalmente ereto não ficaria nunca. Ele, ali, a menos de um palmo daquela piroca maravilhosa do negrão. Olhava e virava os olhos. Poderia tocar. Lamber até... Mas não queria tocar. Queria só ficar ali, olhando. Imaginando a pele fininha e lisa do pau do negrão. Aquele cacete de veias saltadas... O negrão parecia uma estátua. Uma estátua de um deus, ali, na sua frente, com as mãos para trás, e com aquele mastro balançando... O bastão do negrão balançava levemente conforme o pulsar do sangue nas veias grossas. Num meneio de cabeça, com os olhos voltados para o tico do deus, ele pergunta: quanto? O negrão responde: trinta e três centímetros e meio. Fez questão de dizer e meio. Pra que isso?, Gualberto pensou. Pra que essa mesquinharia? Que deixasse essas questões pequenas pra quem precisa das pequenezas. Por exemplo: um cara baixinho precisa dizer que tem um metro e sessenta e dois centímetros e meio. Porque o e meio faz diferença. Um cara gordo faz questão de dizer que emagreceu cinco quilos e meio. Porque o e meio faz diferença. Mas para o negrão, não. Não faz diferença nenhuma esse e meio. Trinta e três centímetros e meio. Pra que isso? O negrão fazia de propósito. Sabia que era gostoso e fazia questão de esfregar na cara dele aquele pau grosso (ah, sim, ainda por cima era grosso) com seus trinta e três centímetros e meio. Ao ouvir “trinta e três centímetros e meio” Gualberto sentiu um pulsar forte e curto. Quase um piscar de olho. Um piscar involuntário. Só que não de olho, se me entende. Gualberto não iria tocar naquele mastro rijo. Só ficaria olhando. Olhando bem de pertinho. Ficaria sentindo o cheiro da pele do negrão. Foi para isso que o negrão veio. Para isso. Gualberto ficava imaginando como seria uma mulher levar uma vara daquelas... Deveria ser como as éguas, lá na fazenda. As éguas aguentavam os cavalos, lá na fazenda. Uma mulher não aguentaria tudo aquilo. Metade, talvez. Gualberto ficava imaginando uma mulher sentando naquele colosso do negrão. O leitinho escorrendo da buceta. O contraste da gota espessa e branca escorrendo naquele caralho preto. A gota se transformando em veio. Um veio quente descendo pelo músculo do negrão. Até a base. Lambuzando as bolas... Da próxima vez pediria para o negrão trazer uma mulher com ele. Sim, haveria uma próxima vez. Sim, o negrão voltaria. Uma mulher bem bucetuda. Da próxima vez gostaria de ver o negrão fodendo uma mulher. Uma bem bucetuda. Uma que aguentasse aquela tora. Pelo menos que aguentasse a metade. E que gozasse naquela piça enorme. Da próxima vez faria isso: pediria para o deus negro trazer uma mulher – uma cavala. Bem bucetuda. Hoje, não. Hoje só iria olhar para aquele pau. Por um instante Gualberto pensou no escritório. O que os colegas de trabalho falariam dele se lhe soubessem ali, daquele jeito. Se lhe soubessem adorador de um deus pagão. Pauzão! Que se danem! Aqueles babacas do escritório. Aquela bosta de escritório. Gualberto estava em casa, e poderia fazer o que bem quisesse. Por isso mesmo não faria nada. Nada além de olhar e adorar. E ele a-do-ra-va. Gualberto estava adorando aquilo. Pensou no pai. O velho sentado no cepo, tomando chimarrão. O velho na fazenda. O velho de bombachas e alpargatas. Pensou na mãe. A velha mexendo os panelões. A velha cozinhando, lá na fazenda. O buço da velha, sempre suado. O velho mateando, o olhar parado na linha do horizonte, o mate esfriando na cuia esquecida na mão. Sempre se lembrava do pai assim, sentado em cepos e mateando. Será que vem daí? O pai sentado em cepos e ele gostando de paus? Freud explica... O pensamento nos velhos se foi num vu. Assim como veio, foi. Gualberto estava em silêncio. Não falaram quase nada, o negrão e ele. Gualberto deu as ordens quando o negrão chegou: tira a roupa e fica aí. Quero olhar. Só olhar. Eu pago bem. Depois, passado algum tempo, perguntou: quanto? E o negrão falou: trinta e três centímetros e meio. Essa foi toda a fala do negrão: trinta e três centímetros e meio. O negrão tinha voz forte, bonita, máscula. Se aquele negrão tivesse voz fina, Gualberto cairia na gargalhada. Um baita dum crioulo com um cacete enorme e com voz fina seria muito engraçado. Gualberto não sabia nem o nome do negrão. Nem queria saber. Do deus negro ele sabia o principal: o pau. Gualberto não sabia o nome do negrão. Gualberto sabia o bilôro do negrão. Pronto. O bijôjo do negrão. Pronto. Em que será que pensava o negrão para manter a espada assim, pronta para o ataque? Não interessa. O que importa é que a espada está desembainhada e erguida. Por quanto tempo estariam ali? O negrão continuava firme. Duro e gostoso. Certa vez Gualberto comprou um consolo de silicone. Preto. Não era nem a metade do bilau do negrão. Bem menos da metade. O brinquedo chegou pelo correio, numa caixinha discreta. Nunca usou o vibrador. Só ficava olhando. Colocava sobre uma cadeira de madeira e ficava olhando. O pinto de silicone tinha uma espécie de ventosa que o deixava grudado em superfícies lisas. Gualberto o punha na cadeira, e ficava olhando. Um dia deu vontade de chamar alguém. Um pau de verdade. Bem, e ali estava Gualberto, de calção e camiseta, ajoelhado, na frente do negrão. Esse guri é estranho, diziam as tias velhas. Sempre calado. Sempre sozinho. Sempre trancado no quartinho dos fundos. O que ele tanto faz lá? Foi lá, no quartinho dos fundos, que descobriu o cu. O próprio cu. Descobriu o cu, ali, acocorado sobre o pequeno espelho, no quartinho dos fundos. Uns descobrem o umbigo e ficam deslumbrados. Ele não: descobriu o cu. Ali, no quartinho dos fundos. Descobriu o cu. E deu-se a descobrir pelos outros guris... Antes que o negrão chegasse, Gualberto deu uma ajeitada na sala: recolheu as revistas que estavam espalhadas no sofá, e fechou as cortinas. Estava quente, e o ventilador de teto jogava uma leve brisa no ambiente que cheirava, levemente, a pó. Quando era guri, lá na fazenda, Gualberto se excitava com as cadelas. Roçava nas cadelas e se excitava. Mas ele não sabia que se excitava. Bem depois é que soube que era excitação o que sentia com as cadelas. Já um pouco maiorzinho, se excitava com os cachorros. Roçava nos cachorros e se excitava. Excitava-se com a excitação dos cachorros. A excitação dos machos o excitava. Quando se excitava com os cachorros já sabia que a excitação que sentia era excitação. Depois, bem depois, começou a reparar nos cavalos... Nos cavalos inteiros... Agora Gualberto pensa que talvez devesse ter borrifado um aromatizador no ambiente. Está quente demais, e o negrão sua. Dá pra ver o brotar de pequenas gotas na testa, no lábio superior e no peito do crioulo. Gualberto também sua. Sente o rego molhado. Os testículos também estão suados. E a cabeça do pau começa a liberar um caldinho viscoso que lhe faz grudar a pequena glande na cueca. Pensando bem, está melhor assim – sem aromatizador no ambiente. Assim, sem aromatizador no ambiente, Gualberto pode sentir o cheiro da pele do negrão. O negrão, que nu, exibe o membro colossal, duro. Assim, desse tamanho, e preto, Gualberto só tinha visto nos cavalos, lá na fazenda. Nos reprodutores, nos cavalos inteiros. Foi para olhar que Gualberto chamou o negrão. Leu o anúncio e ligou. Quando o negrão chegou, Gualberto disse: tira a roupa e fica aí. Quero olhar. Só olhar. Eu pago bem. Foi para olhar que Gualberto chamou o negrão. Eu pago bem. Que mal tem?



Santa Cruz do Sul, 2010 – Belo Horizonte, 2014.